quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Cem anos do Incêndio do Palacete do Visconde

O antigo palacete do Visconde de Guaratinguetá, Francisco de Assis e Oliveira Borges, foi construído no começo da segunda metade do século XIX, em local aprazível, caracterizada como chácara urbana, em pleno trajeto da antiga Estrada Real, caminho do Rio de Janeiro para São Paulo, onde, em 1827, Debret retatrtou a cidade de Guaratinguetá. 
Tal construção foi símbolo de um período de fausto econômico de algumas famílias, com a ascensão do café como principal produto da agrícola brasileiro, em arquitetura similar aos prédios rústicos das fazendas de café. 
Com a morte do titular, o palacete esteve nas mãos da viúva e de seus filhos, sendo que após a morte da referida o imóvel passou para o Governo do Estado de São Paulo, quando foi adaptado para ser a Escola Complementar e Normal de Guaratinguetá, em 1902, ali permancendo até 1916.
Nesse ano, o prédio foi invadido noturnamente por ladrões, que em cirscunstâncias estranhas e por medo de serem pegos acabaram por derrubar uma lamparina que desencadeou um incêndio de grande proporção, destruindo todo o prédio e seu acervo, ficando tão somente algumas paredes em pé. 
O projeto de adaptação do prédio, no inicio do século XX, foi realizado por Euclides da Cunha, obedecendo as linhas gerais de cunho educacional em voga na época. 
Os autores do incêndio, dois negros, foram presos e acusados, estando o processo crime referente depositado no Arquivo Judiciário do Museu Frei Galvão, contendo fotos e depoimentos.

domingo, 11 de setembro de 2016

Maria Augusta e a lenda urbana "A loira do Banheiro"

Maria Augusta de Oliveira Borges
A loira do banheiro é talvez a lenda urbana de maior alcance social no imaginário atual do povo, mesmo com todo o pragmatismo originário dos meios de comunicação e da tecnologia. O que demonstra a força da oralidade e da memória na perpetuação de lendas e estórias, colocando em evidência as diversidades da história, ao indiciar verdades esquecidas e que fazem pensar em modos de vida ainda esquecidos pela história. Tais lendas e estórias muitas vezes estão associadas com outras estórias e histórias, mescladas e adaptadas sazonalmente de acordo com variadas características locais. Mas ela não é originária da história de Maria Augusta de Oliveira Borges, a filha do Visconde de Guaratinguetá.
A matriz informativa dessa lenda urbana repousa em ideiais de pavor e de medo diante da vida e da morte, de influência religiosa, alimentada pela religiosidade popular nos decorrer dos últimos séculos, como permanência perniciosa nos quadros de uma adaptação e assimilação pela modernidade.  A ideia de que uma mulher desencarnada e atormentada por uma vida atribulada permanecesse entre os seres humanos a suplicar por algo incompreensível, tornando-se visivel aos olhos incautos das pessoas, principalmente nos banheiros. 

Tal ideia, em certa constância, e em diversas regiões do país, além do exposto, sofreu processo híbrido com fatos transmitidos pela oralidade em lugares de memória específicos, representantes de uma época pontual, cujo lócus privilegiado perpassa pela perpetuação da questão do genêro em dado momento de uma sociedade, qual seja o discutível papel da mulher e sua tomada de posição diante de visões consolidadas pelas sucessivas heranças dos modos de viver e vivenciar o cotidiano. A grosso modo, foi adaptada e compreendida com costumes locais pré-existentes, passados por gerações, sofrendo transformações no seu transcurso temporal até chegar ao formato que se apresenta na atualidade.

Em Guaratinguetá, tal associação e dialética encontrou respaldo, notadamente, numa figura feminina expressiva localmente, personificadora de um segmento específico da sociedade imperial do rico período do café, quase na transição  econômica e social de substituição do escravismo e de maior imposição da mulher em confronto com os modelos comportamentais vigentes nos quadros explicativos de uma minoria  familiar  brasileira,   onde o cabeça de casal era o homem e a partir dele emanava decisões multiaplicáveis nos aspectos regentes dos membros de sua prole, ou qual seja, o destino de suas vidas. Prática, esta, recorrente e que recaía, sobretudo, na mulher, moldando a revelia, por muitas vezes e em muitos aspectos, sua maneira de agir, ora em submissão, ora em rebeldia, consequente de sofrimentos e sequelas permanentes, fosse um bem ou um mau, transcendendo para pós-morte. Como sempre foi visto, perpetuado e transmitido pela sabedoria popular como meio eficaz de modelo de punição para as regras societárias que ainda nos chegam após gerações do ocorrido. 

Desse modo, são percebidas características próprias entre memória local e a lenda urbana, sendo a última de bases modernas e a primeira de um passado já distante, embora ainda viva pela oralidade, principalmente por fomento das gerações nascidas na primeira metade do século XX. Cujo foco é ter uma moral como pano de fundo, com todos os elementos essenciais para a sua constituição e sedimentação. Embora, ao contrário, possa servir a diversos propósitos, para, em muitos casos, justificar algo além da moralidade .
A função da memória, porém, nesse caso, em face da lenda, é dar legitimidade para verdades sobejamente enraízadas na sociedade brasileira, entre outras premissas, acerca do medo, do controle de ideias, etc. Além de trazer em seu bojo as semelhanças para consubstanciar a lenda, embora sem considerar que a memória local de Guaratinguetá tenha originado a lenda da loira do banheiro, mas sim lhe serviu de sustentáculo para a sua perenidade pelo regime hibrido e sua consequente adaptação, omo é o caso de Maria Augusta de Oliveira  Borges no imaginário da população. Um arquétipo de vida, morte e permanência espiritual, que é modelo, que é história que possui moral e que demarca território bem definido a partir de um espaço físico constítuido em lugar de memória: o palacete e a escola. Na simbiose entre o privado e o público; entre o espiritual e a materialidade, fruto da eterna aliança, agonia e extâse  do homem com entidades superiores, além da compreensão racionalista, metafísica, fenomenológica ou existencialista. A história fartamente documentada, falada, assimilada e tornada verdadeira, em verdade incontestável, assim como é a ciência histórica, um gigante com os pés de barro.

Maria Augusta de Oliveira, era uma das filhas do Visconde de Guaratinguetá, comerciante, cafeicultor e grande proprietário de terras no município, cujas origens humildes foram marcas permeadas da rusticidade, por herança de memórias de vida colonial, transfiguradas em práticas e condutas tomadas de verdade, onde as ações levariam a cabo a vida de sua filha.  Cuja sorte, segunda entendimento popular, não foi das melhores. Que em  vida esteve  ligada ao palacete do Visconde de Guaratinguetá (imagem ao lado) e nas inúmeras fazenda que ele possuía por toda a região. E posteriormente ao edificio substituto do palacete, onde funcionou primeiro a Escola Normal, e na atualidade, desde 1919, o antigo Instituto de Educação Conselheiro Rodrigues Alves (EE Conselheiro Rodrigues Alves). 

terça-feira, 28 de junho de 2016

Paulo Pereira dos Reis Um escritor lendo a escrita do homem valeparaibano

Encetar analise sobre a produção intelectual de um determinado autor exige adentrar na sua compreensão de mundo, para reconhecer as construções mentais próprias e as influencias externas sofridas, em qualquer campo do conhecimento. E isso exige preparação anterior (leituras e analises) e um tratamento qualitativo adequado para com o material encontrado, para que não caia em mero resumo bibliográfico, em nada desejado por leitores exigentes.
Ao mesmo tempo, ao contrario do exposto, os escritos de pequena envergadura analítica e intelectual, destituídos do rigor cientifico exigido, são importantes como instrumentos de referencia ou fontes de informação, por vezes, privilegiadas. Servem de elemento introdutor para pesquisa e montagem de um estudo adequadamente estruturado e profundo nas suas ideias. Para uma biografia robusta revestida de inserções múltiplas e prosopográficas.
Desse modo, dificilmente pode se esperar de trabalhos dessa natureza uma isenção de quem escreve sobre um autor especifico, a não serem considerações pessoais de cunho ensaístico a iluminar proposições e hipóteses, originarias de pressupostos obtidos por leituras iniciais e superficiais.  Terá subjetividade inerente aos aspectos restritivos de um estudo inédito.
E, nesse sentido, o presente texto circunscreve-se a uma tentativa de demonstrar alguns aspectos biobibliográficos do escritor e historiador Paulo Pereira dos Reis, destacando da sua produção intelectual algumas ideias e perspectivas para a historiografia valeparaibana atual. Percebendo especificamente a operação de construção de uma de suas obras: “Lorena nos séculos XVII e XVIII”. Juntamente com outras publicações similares que expressam a preocupação do autor em estabelecer uma linha temática de pesquisa no Vale do Paraíba, a partir de fontes documentais inéditas, com fulcro no povoamento. Especificamente na região denominada pela geografia da época como “Lés-Nordeste”, cujo território pertenceu administrativamente, em tempos distintos, para as Capitanias de São Vicente e Santo Amaro, e vilas de Guaratinguetá e Lorena. Hoje conhecido como Vale Histórico, Serra da Mantiqueira e parte do vale fluminense (Rezende e adjacências).
A trajetória intelectual de Paulo Pereira dos Reis nos quadros da historiografia regional e emblemática do escritor valeparaibano. Uníssona, em primeira instancia, com os aportes metodológicos e analíticos largamente empregados no Brasil em quase todo o decorrer do século XX. A ciência positivista, cuja orientação objetiva e o farto uso de documentos eram balizas suficientes para reconstituir amplos cenários históricos. Sob a forma de uma escrita exaustiva, cronológica e descritiva.
Com apenas a diferenciação no aspecto relativo a pesquisa empírica, enquanto cautela no levantamento, seleção e processamento dos dados. Sobretudo na busca de fontes inéditas, cujo objetivo centrava-se na inserção totalizante dos dados num quadro mais amplo da historia de São Paulo e do Brasil. O que nem sempre foi uma pratica corrente entre os profissionais que escreveram sobre a região, notadamente se adentrar ao aspecto memorialístico encontrado em grande parte das obras desse gênero.
Além disso, uma trajetória previa similar a de outros profissionais das letras e da educação, cuja formação não residia propriamente na historia. O que faz pensar na origem dos interesses compartilhados por outros tantos intelectuais da região, cujo encontro residiu originalmente em registrar a historia da cidade, mas que no caso de Paulo Pereira dos Reis, transformou-se num sentido diretivo e cientifico de entender a formação do território e da população do Vale do Paraíba ao longo da historia.
Tendo como mote definir, ou pelo menos tentar, uma identidade própria do homem regional, ligado na perspectiva antropológica da formação identitária, organizada no espaço-tempo da historia desde os primórdios da Colônia, culminado, com isso, no registro social e econômico da ocupação da região e da sua atuação nesse meio (uma sociologia por assim dizer). Em melhor se referindo, na busca do sentido da colonização valeparaibana, de influencia Pradiana e Freyriana, em voga entre as décadas de 1930 e 1960.

Roteiro Biográfico

Nascido em Piquete a 25 de abril de 1919 e falecido em Lorena a 30 de marco de 1997, filho de Francisco Pereira dos Reis e de Emilia Costa Pereira dos Reis, de ascendência familiar originaria de varias cidades da região e de Paraty. Residindo, durante a infância na Vila Militar da Estrela, casa numero 45, próxima à Estação Ferroviária da Serrinha, a poucos metros do Hospital da Fabrica, dirigido pelos médicos Capitão Francisco Rodrigues de Oliveira e Tenente Alberto Antonio Marie Vaisse.
Seu pai era segundo químico da fábrica e desempenhou diversas funções na fabricação de ácidos sulfúricos, clorídricos e pólvoras de base simples.
Segundo Wanderley Gomes Sardinha[1], foi por esse tempo que teve vida leve e simples, registrados no livro de memórias do escritor[2]. Momentos que conviveu com seus colegas de escola do grupo escolar de Piquete, seus professores, Dona Maria Antonieta e o diretor Frederico Ramos, entre os anos de 1927 e 1931.
Posteriormente cursou o ginasial no Colégio São Joaquim, na mesma cidade, onde revelou sua inclinação para os estudos de maior envergadura e profundidade. No período coincidente com a Revolução Constitucionalista de 1932, que trouxe grandes dificuldades para a família. No São Joaquim foi aluno dos mestres Padre João Ravizza, um dos maiores latinistas que passaram pelo Colégio e Padre João Renaudim. Que grande influencia tiveram na formação clássica do autor. Levando-o a juntar-se, em anos posteriores, com outros estudantes, para publicar o jornal “O Acadêmico”. Que lhe proporcionou o gosto pelos estudos e pela publicação de artigos.
Entrou, em seguida, para o curso de magistério na Escola Normal Patrocínio São Jose, em 1938, em Lorena, onde terminou em 1940. E posteriormente diplomado em Ciências Jurídicas e Sociais e em Administração de Empresas, em 1967, na Universidade de Taubaté.
Seguindo carreira, exerceu concomitante, durante toda a vida, cargos docentes e administrativos burocráticos, conseguindo êxito em ambos.
Na área administrativa fez carreira na Caixa Econômica Estadual, onde ingressou como escriturário a 15 de outubro de 1940, chegando, por merecimento, ao cargo Maximo de superintendente, aposentando-se a 31 de maio de 1976.
No magistério teve eficiente vida profissional, tendo se destacado, primeiramente como professor normalista (1939-1940) e professor secundário de sociologia e de historia geral e do Brasil (1941-1962). Alem de ter ocupado a cadeira de Historia e Economia Política na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena.
Pertenceu a Academia Paulista de Historia (cadeira nº 20), Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, Academia Cristã de Letras (cadeira nº 31), Academia Paulista de Letras, Sociedade de Estudos Históricos de São Paulo e da Sociedade Brasileira de Heráldica e Medalhística, Rotary Club de Lorena (fundador e presidente), Centro de Estudos Gustavo Barroso (FFCL – Lorena), Conselho Federal de Técnicos em Administração de São Paulo e PEN Centre de São Paulo. Foi um dos fundadores do Instituto de Estudos Valeparaibanos, em 1973, e presidente dessa entidade no período de 1978 a 1980.
E recebeu os títulos de Cidadão Honorário de Lorena e de Intelectual do Ano (1978), Troféu Piraquara, do Rotary Club.
Participou, ainda, de diversos cursos, entre eles: curso de extensão universitária sobre a “Formação da Personalidade”, curso da ADESG, curso de dinâmica de grupos para professores universitários, curso de Historia Regional do Vale do Paraíba e curso Sesquicentenário de Direito Tributário. E foi Assistente Técnico de Gabinete do Governo do Estado de São Paulo (1977-1979) e presidente da Comissão Estadual de Literatura do Conselho Estadual de Cultura.
            Deixou vários artigos e obras publicadas: Algumas Considerações sobre a Imigração no Brasil. Separata da Revista Sociologia. São Paulo, vol. XXIII, nº 1, março de 1961; A miscigenação e a Etnia Brasileira, Revista de Historia, n 48, São Paulo, 1961; O Colonialismo Português e a Conjuração Mineira. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1964; Os Puris de Guaipacaré e Algumas Achegas à Historia de Queluz. Revista de Historia, 61. São Paulo, 1965; Guaipacaré, região e porto do Vale do Paraíba. Revista de Historia, 69. São Paulo, 1967; O Caminho Novo da Piedade no Nordeste da Capitania de São Paulo. São Paulo: Conselho Estadual de Cultura, 1971; Introdução e Notas. In: RENDON, Jose Arouche de Toledo. Obras. São Paulo: Governo do Estado de S. Paulo, 1978 (Coleção Paulística, III); O Indígena do Vale do Paraíba. São Paulo: Governo do Estado de S. Paulo, 1978 (Coleção Paulística, XVI); As divisas Municipais entre Guaratinguetá e Lorena. Taubaté: Universidade de Taubaté, 1980 (Coleção Ensaios); O Vale do Paraíba nas Rotas das Expedições Vicentinas. Revista da Academia Paulista de Historia, 1, 1981; O Território Oriental da Vila de Lorena. Anais do Museu Paulista, tomo XXX, São Paulo, 1980-1981; Os Povoamentos de Taubaté, Núcleo Pioneiro, de Guaratinguetá e do seu Porto de Guaipacaré. Revista da Academia Paulista de Historia, 2, 1982; Lorena nos Séculos XVII e XVIII. São Paulo: Fundação Nacional do Tropeirismo (Cadernos Culturais do Vale do Paraíba).

Em busca da historia da cidade e da região

Logo após a Segunda Guerra Mundial, Paulo Pereira dos Reis começa a pesquisar sobre os primeiros dias de Piquete. A partir de não aceitar o fato de que a passagem de um piquete de cavalaria, em 1842, por Lorena, durante a Revolução Liberal de 1842, tenha dado origem à cidade de Piquete.
Descobre que Miguel Garcia Velho, bandeirante natural de Taubaté, em 1701, adentrando os sertões do Capivari alcança as alturas da Mantiqueira, junto ao Pico dos Marins, e chega ao rio Santo Antonio, no lado norte da elevação, onde encontra ouro. São as minas de Itajubá, cuja exploração demoraria um século. Estas recebem escravos oriundos do golfo da Guine e brancos portugueses e paulistas que, mais tarde, migram, principalmente para o sul, para as terras que daria origem à Piquete. Entre eles a família Pereira de Castro, Bicudo Leme e tantas outras, juntamente com os negros mineradores, que também contribuíram para o povoamento da futura vila. Era o local da saída do ouro do rio Santo Antonio para o Vale do Paraíba, através da garganta denominada do Embaú.
Na seqüência das pesquisas sobre sua terra natal descobre, também, que no ano de 1741 o lorenense Lazaro Fernandes, residente no bairro do Campinho, abre um caminho para as minas, subindo o rio que passa pela vila do Embaú, até alcançar sua nascente na Serra da Mantiqueira. O caminho curto, mas por onde grande parte do ouro era contrabandeada para outros locais, desviando-se do caminho oficial para Paraty. E por ele, onde o capitão das ordenanças Vilas Boas Pereira envia um piquete de cavalaria, sob o comando do alferes Manuel Domingues Salgueiro para estabelecer um registro na Serra da Mantiqueira e coibir o contrabando do metal, no de 1764. Quando inicia, segundo as pesquisas do escritor, o povoamento da vila de Piquete. Provando que a teoria sobre ter surgido durante a Revolução Liberal de 1842 era apenas especulação ou uma memória sem origem definida.
Dai por diante, destaca-se como pesquisador serio e comprometido em buscar a verdade sobre os fatos da sua cidade. Interesse do particular que o orientou rumo ao macro, delineando a ideia de estudar o povoamento e a formação do território valeparaibano, tendo como referencial a documentação inédita existente em arquivos espalhados pela região, por São Paulo e Rio de Janeiro. E auxiliado por suas observações acerca em demarcar o modo que se deu a constituição das vilas e suas relações com o Rio de Janeiro e com as leituras a respeito da identidade dos povoadores. Sua marca registrada de historiador que segue o fio de Ariadne com o objetivo de entender o homem valeparaibano, pela via da antropologia e da sociologia, com fulcro no Brasil Colônia. Cujo período era pouquíssimo estudado por aquela época, por falta de conhecimento documental e desinteresse. O que o levou a escrever obras e artigos de caráter e interesse regional e nacional. A exemplo da obra sobre o colonialismo português e a conjuração mineira, fatos amplamente imbricados e refletidos na região. Confirmando a tendência do particular para o geral, procurando entender os laços estruturais formadores de uma historia registrada na escrita do homem valeparaibano.

Construção dos escritos

O perfil de historiador do Professor Paulo Pereira dos Reis indentifica-se em vários aspectos com a de inúmeros homens das letras de sua época, notadamente das áreas do jornalismo, do direito e das letras. Mas diferencia-se por não compartilhar totalmente com o caráter memorialístico presentes em inúmeras obras existentes no Vale do Paraíba. Houve, desde cedo, a preocupação com uma temática única a ser construída e compreendida, ao contrario de eleger varias frentes de pesquisa estanques entre si. O que resultou na construção de uma linha de pesquisa cujo objetivo central foi a busca e o aprofundamento sobre as primeiras raízes coloniais, o seu desenvolvimento e movimento pela região, sem parecer meramente positivista. Embora se mostre, em certo tom, exaustiva, dado o grande numero de fontes de pesquisa utilizadas. O que não tira em nenhum momento o mérito dos seus estudos, mesmo quando se trata de observar uma implícita ideia de progresso, nos moldes positivistas, com evolução cronológica.
As contribuições de Paulo Pereira dos Reis pela escrita têm inicio, plenamente, na década de 1950, quando são impressas separatas de dois discursos (1953-1954) contendo depoimentos apresentados, respectivamente, na sessão cultural promovida pelo Grêmio Olavo Bilac, do Ginásio Estadual Arnolfo de Azevedo, e no Centro Cultural Odila Rodrigues, em comemoração à Proclamação da Republica. Mostrando suas primeiras preocupações, marcadamente filosóficas, acerca do progresso cientifico diante da felicidade humana e sobre os atos de governar em beneficio da comunidade (filosofia social)[3]. Anteriormente, em 1947, escreveu apenas o artigo “Non scholae sed vitae docendum” sobre educação. Voltando ao mesmo tema em 1956 com a tese “O ginásio e a realidade brasileira”, apresentada durante o Encontro de Educadores do Vale do Paraíba.
Mas é a partir da década de 1960 que se percebe uma linha direcionada para as questões de etnia, miscigenação e imigração no Brasil e na região, com viés sociológico, refletidas, sobretudo em dois escritos publicados nos periódicos: Revista Sociologia e Revista de Historia, respectivamente os artigos: “Algumas Considerações sobre a Imigração no Brasil” e “A Miscigenação e a Etnia Brasileira”. Textos que, por assim dizer, inauguram sua maturidade como escritor e pensador. Posteriormente refletores de uma fase de maior caráter histórico, revelando as etnias dos povoadores da região.
No primeiro artigo faz um panorama da imigração no Brasil, tratando sobre o ajustamento do imigrante em terras brasílicas, o crescimento demográfico em face da imigração no decorrer do tempo (com a utilização de estatísticas), as principais correntes a partir do período colonial, as imigrações internas em São Paulo, dando ênfase ao elemento japonês.
No seguinte a forte miscigenação ocorrida no país, com base em trabalho de Nina Rodrigues, destacando a indígena e a africana com a raça branca, fazendo estrita ligação com os diversos períodos econômicos no Brasil e sua influencia sobre o tema.
Doravante não mais publicaria temas dessa natureza, ficando um hiato de escritos entre 1962 e 1963, e a partir do ano seguinte ter como interesse geral a área histórica, com a publicação alentada e profunda sobre a conjuração mineira e a ação do colonialismo português, publicado na famosa serie “Brasiliana”, famosa por temas brasileiros centrados em folclore e historia. A obra parece denotar o interesse do escritor sobre um episodio estreitamente ligado ao Vale do Paraíba, por seus personagens envolvidos de origem na região. Procurando entender o processo da conjura em face da forte atuação de Portugal na economia aurífera brasileira.
E definitivamente volta a historia do Vale do Paraíba, de 1965 a 1971[4], quando inicia estudos acerca do povoamento da região de Lorena e os caminhos que dali seguiu para o Rio de Janeiro originando o povoamento e a criação de outras vilas que permaneceram sob o crivo administrativo daquela durante vários anos. Com exceção do artigo sobre os índios puri, que mais tarde seria alvo de estudos do autor, que em nenhum momento descuidou de tratar do elemento natural das terras brasileiras. O que acontece em 1979, com a publicação da obra “O Indígena do Vale do Paraíba”, publicada pelo Governo do Estado de São Paulo na clássica coleção Paulística, sob a direção de Péricles Eugenio da Silva Ramos, outro escritor nascido no Vale do Paraíba que proporcionou ao autor e a outro lorenense, Professor Jose Geraldo Evangelista, a divulgar publicamente seus escritos.
A obra, uma das suas mais importantes, é até hoje pioneira na região, em se tratando de estabelecer e estudar o elemento indígena residente na região nos primeiros tempos da colonização, notadamente os Puris, os Mandus e os Pirais.
Mas a sua maior contribuição foi “Lorena nos Séculos XVII e XVIII”, por ser uma obra de fôlego e que serve tanto como referencial de estudo histórico na região, como modelo de pesquisa historiográfica para as gerações posteriores.
Tal escrito pode ser definido como uma síntese profunda dos estudos realizados pelo autor em quatro décadas de pesquisa por arquivos de todo o Brasil. A aclamação e a continuidade de outros textos e publicações anteriores. O triunfo de uma linha de pesquisa fundamental para compreender a ocupação territorial e populacional do Vale do Paraíba. Fundamental para o entendimento da historia do Brasil, sobretudo as dinâmicas sociais instauradas a partir da colonização por Portugal.

Uma linha de pesquisa: o povoamento do Vale Paraíba

Os primeiros passos em direção ao interesse em desenvolver uma temática única e extensiva, que resultou na sua ultima obra, citada acima, dá-se no momento da tomada de consciência do autor acerca da inexistência de estudos genéricos e profundos sobre o povoamento do Vale do Paraíba, partindo do particular em direção ao geral. Isso na década de 1940, por conta do interesse em esclarecer as informações desencontradas incluídas em algumas obras de cunho histórico e geográfico, de teor enciclopédico e base memorialística. Notadamente nos relatos de viajantes estrangeiros e nos dicionários publicados no final do século XIX. Principalmente sobre o povoamento da região de Lorena em direção ao Rio de Janeiro.
Aliado ao fato do seu gostar pelo manuseio de velhos papeis e velhas crônicas e fazê-los falar. Arrancar-lhes capítulos de vidas e de esforços, para sentir o pulsar dos sentimentos que a poeira do tempo cobria. Deixando-se levar pelo tempo, como um historiador de gabinete na solidão dos arquivos e no silencio das bibliotecas[5]. Lendo e fichando inúmeras fontes primárias inéditas; comparando datas e analisando a coerência das informações. O autentico historiador e pesquisador “que tornava publica sua vivencia com os documentos”[6].
A primeira baliza foi estudar a vila de Lorena, na qual se integrava sua cidade natal, a vila de Piquete, tentando elucidar os primeiros sinais de povoamento. O que se dá com as primeiras pesquisas inéditas a respeito do Porto de Guaipacaré (Lorena) e sobre o elemento indígena na região. E posteriormente do elemento branco e português em suas correntes migratórias, que resultou na publicação de dois artigos específicos: “Os Puri de Guaipacaré e Algumas Achegas à Historia de Queluz” (1965) e “Guaipacaré, região e porto do Vale do Paraíba” (1967). E concluída, num primeiro momento, com a publicação da obra “O Caminho Novo da Piedade no Nordeste da Capitania de São Paulo” (1971). Complementado pela outra obra publicada bem posteriormente: “O Indígena do Vale do Paraíba” (1979). Obras que receberam ótima recepção nos meios acadêmicos pelo tratamento dado ao tema e as fontes. Aliado ao fato ressaltado pelo historiador Brasil Bandecchi, citando palavras de Odilon Nogueira de Matos, na apresentação de uma das obras de Paulo Pereira dos Reis, de que o objeto de estudo do historiador, os caminhos e o povoamento do Vale do Paraíba, era imprescindível para entender a dinâmica social, política e econômica, pois o “aludido caminho foi ‘via de acesso possível à colonização da área que servia e, assim, à possibilidade de nela estruturar-se, posteriormente, um tipo de civilização agrária estável’”[7] (REIS, 1980:11).
E ao enfrentamento encetado pelo autor ao procurar, pela primeira vez, para esclarecer o emaranhado das tribos indígenas existentes no período colonial, sem outros estudos, sobretudo arqueológicos. Ou seja, “de compor o ‘quadro etnográfico’ da Capitania de São Vicente”, problema esse que resultava da “confusão de etnômios, à notória mobilidade social dos grupos nativos, às lacunas e incongruências nas informações registradas e outros tantos empecilhos”[8] (REIS, 1980:11-12).
Obras e artigos teceram um primeiro panorama colonial no Vale do Paraíba, perceptível no plano geral elaborado pelo autor a partir de uma linha didática sucessória de acontecimentos e embates. E que, grosso modo, estão divididos em: As incursões quinhentistas às terras vicentinas; os caminhos do mar no litoral de São Vicente; as primeiras vilas vicentinas e o povoamento de Minas Gerais; a trilha dos Guianas de quinhentos e o Caminho Velho seiscentista; o caminho velho de São Paulo para as Minas e alternativas valeparaibanas; caminhos de Taubaté para o litoral; outros caminhos; caminhos abertos na extremidade oriental do Vale do Paraíba paulista; o caminho de Goiás; o caminho fluvial do Tietê para oeste; as penetrações para o sul[9].
E possibilitaram dar um perfil do povoamento das Capitanias de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e do sul do país, a partir dos caminhos que irradiaram povoamento. Contribuindo para entender como paulistas e os portugueses direcionaram suas conquistas tendo em vista a busca de uma economia favorável. Portanto, estudo inédito baseado em fontes documentais antes não utilizadas como as sesmarias e a serie “Documentos Interessantes”, publicada pelo Arquivo Público do Estado de São Paulo. 
Após essa incursão geral e pontual, despontou uma segunda baliza localizada e pontual, pelo farto material levantado em arquivos diversos. Os estudos privilegiando um setor territorial específico, qual foi a região nordeste da Capitania de São Paulo, onde se assentava a vila de Lorena, que por caminho aberto por apoio da Coroa Portuguesa deu origem à outras futuras vilas, ligando a região paulista com a fluminense. E o resultado foi a obra “O Caminho Novo da Piedade no Nordeste da Capitania de São Paulo”, publicada em 1971, “destacando pormenores históricos sobre a construção, no século XVIII, de um ‘caminho novo’ destinado a ligar o Vale do Paraíba, em terras paulistas, ao litoral fluminense”[10]. Um dos mais movimentados. E vital para a economia da região no século seguinte[11].
O autor busca, nessa obra de fôlego, informações preciosas e concretas, não se perdendo em comentários inúteis. Revela os acontecimentos na seqüência em que se desenrolam. Exposto em sentido claro e objetivo, com fortes subsídios a Historia de São Paulo. Destacando a ação dos governadores da capitania em promover o progresso da região[12].

Contribuições para a construção a História e para o ensino na Região

Paulo Pereira dos Reis foi o intelectual que leu a escrita do homem colonial, adentrando na sua complexidade adversa ao tempo presente. Buscando pacientemente os seus rastros e fios, com o objetivo de traçar os discursos deles emanados. Resgatando os mais diversos perfis da historia paulista e valeparaibana.
Tal postura foi preponderante para atingir o objetivo que estabeleceu, priorizando uma linha de pesquisa única, sem perder o foco mais amplo da historia. Cujo resultado é paradigmático nos dias atuais, em múltiplos sentidos. Não apenas intrínsecos aos seus objetos em si. Assemelhando-se aos grandes historiadores do Brasil, como Rocha Pombo, Southey, Taunay, Varnhagen, Oliveira Lima, Joaquim Nabuco, Sergio Buarque de Holanda, Capistrano de Abreu, Raimundo Faoro, e tantos outros, guardadas as devidas proporções no que tange ao período e aos métodos utilizados.
O legado de suas obras, portanto, é constituída na atualidade não apenas por uma referencia de conhecimento da historia do Vale do Paraíba, mas por servir de instrumento amplo para discutir a pesquisa regional. Tendo em vista ser o conjunto de sua escrita, sob vários aspectos, pioneira e ousada, com ênfase prioritária nas inesgotáveis fontes documentais existentes nos arquivos brasileiros; embora possa ser dito que os seus escritos contenham densidade de informações transcritivas e descritivas. Pelo contrario, é uma escrita densa e prioritária, ensejando a necessidade de um retorno aos velhos alfarrábios. Podendo proporcionar olhar diferenciado e analítico sobre fontes demasiadamente conhecidas e inéditas, além do descritivo. Sem, embora, escravizar-se pela objetividade das palavras. Situação que o autor reconheceu alguns anos antes do salto qualitativo das novas metodologias. Bem anterior ao ciclo iniciado na década de 1970, quando as obras e os escritos acadêmicos afastaram-se das narrações e memórias locais, buscando novas releituras acerca do passado.
Nesse sentido, uma viagem pelas obras de Reis é reiterar suas atitudes e posturas em face da construção do conhecimento histórico. Sobretudo para as gerações acadêmicas no tempo presente. Onde inexiste formação adequada e conhecimento profundo. Notadamente se comparada aos grandes centros universitários.
Portanto, modelo de estudo histórico-regional para as universidades regionais. Principalmente na utilização dos documentos no campo da pesquisa. Levando os atuais acadêmicos a repensar o modus operandi. Bem como na necessidade de uma literatura própria, de largo alcance, cunho educacional, e de inúmeras possibilidades de temas de pesquisas preponderantes.
Algo que possa descortinar algumas situações implícitas na formação e na pratica da historia. Seja no campo docente ou no exercício do bacharelado. Embora sem pretender exaustão e total amplitude.
Ou seja, uma pequena exposição de ideias e preposto para alargar os horizontes de atuação dos novos profissionais da área, mesmo que em escala sectária. Na qual existe a imposição de recortes pontuais relevantes além texto histórico em si. Procurando perceber o universo mental do historiador que lê, pensa e analisa acerca de sua própria escrita.
A historiografia valeparaibana produzida nos últimos cinquenta anos é profícua e abrangente, o que é inegável. Porque todo estudo, obra ou escrito possui sua importância vital ao mostrar faces diversificadas de uma realidade. E negar isso seria como desconsiderar a multiplicidade e complexidade do ser humano agindo e interagindo no mundo a cada momento.
O avanço proporcionado por numerosos autores valeparaibanos é uma realidade e um incentivo para a continuidade da pesquisa no Vale do Paraíba. Pois, traz uma contribuição considerável, que estruturou um passado bem analisado e pensado, constituindo-se numa grande biblioteca especializada.
Mas na atualidade, o avanço da ciência histórica pede que seja repensado e redirecionado o trabalho de produção historiográfica na região. Que ainda esta longe de ser a ideal diante de novas possibilidades de pesquisa e de fontes ainda inéditas. E Paulo Pereira dos Reis contribui nesse sentido, porque o fez com conhecimento e eficácia. Périplo desconhecido pela maioria das pessoas e dos acadêmicos.
As variáveis ali presentes em seu trabalho desembocam em três grandes eixos de discussão, a saber: o retorno para as fontes documentais e a execução da pesquisa cientifica; o ensino da historia nos cursos superiores; o binômio professor/historiador; os resultados e a disseminação da produção historiográfica regional, com foco no trinômio universidade/escola/comunidade. Cada eixo interligado entre si, direcionado ao único fim de colocar em evidência e discussão as demandas do setor.  
O Vale do Paraíba foi desbravado a partir da primeira metade do século XVII, com a mudança de paulistas e a chegada de portugueses buscando novas terras e jazidas preciosas. Tornando-a um misto de região de passagem e de fronteira agrícola aberta. Propícia para o estabelecimento de famílias em busca de sedentarismo para viver dos mínimos vitais que a terra poderia lhe oferecer.
Com o deslocamento constante de homens e mulheres (direção São Paulo – Minas Gerais) e maior aumento de indivíduos circulantes, cresceu a necessidade de estruturar núcleos organizacionais capazes de oferecer uma rede administrativa adequada para atender as demandas crescentes dos serviços sociais e de justiça. O que, por uma serie de regras, se fez a partir do momento em que foram criadas oficialmente algumas vilas, como as de Taubaté, Pindamonhangaba e Guaratinguetá.
Essa realidade transportou todo o complexo aparato burocrático, jurídico e administrativo português para as vilas da região. Sendo a justiça e a administração tuteladas pelos edis das câmaras municipais, pelos juízes nomeados e por outros funcionários designados pela Coroa. Com a tarefa de registrar queixas, discutir problemas e conduzir processos das mais diversas naturezas: crimes, inventários, testamentos, etc.
E tais registros, por sua vez, devidamente guardados, transformaram-se em testemunhas escritas do cotidiano do valeparaibano colonial. No qual os protagonistas deram o seu demonstrativo de vida perante a história. Marcando conflitos, embates e pensamentos que hoje são constituintes de um reflexo do real.
A escrita feita pela pena dos alfabetizados e letrados configurada em acervos importantíssimos para o resgate do pensamento passado, a partir do crivo analítico do historiador que queira, através de pressupostos teóricos e metodológicos adequados, construir e reconstruir a realidade valeparaibana.
Por esta razão, e por outros motivos, é que a importância das fontes primárias acaba por se constituir num pressuposto importante para a pesquisa. Para que com elas se possa realizar leitura, releitura e interpretação do passado. Revendo conceitos, verdades, descobrindo novos temas, recortes e outras fontes de pesquisa inéditas. Daí, também, a necessidade de preservação e divulgação.
Paulo Pereira dos Reis percebeu essa premissa e demonstrou em suas obras uma efetiva atuação diretiva nesse sentido. E com isso pode trazer à tona o ineditismo nas informações e nas fontes, cujo exemplo a historiografia regional ainda na absorveu na totalidade. Mesmo porque, o numero de arquivos e documentos são imensos de possibilidades de pesquisa. Embora tenhamos muitas falhas físicas e cronológicas nos mais variados acervos de origem administrativa e judiciária.
Nesse ponto o autor contribui, mesmo que inconsciente, para alicerçar uma discussão em torno da necessidade de conhecer e reconhecer as fontes. Nos seus aspectos intrínsecos e extrínsecos[13].
Pouquíssimo realizou-se nessa área no Vale do Paraíba, com a exceção de algumas atuações pontuais[14], mas não correspondente ao ideal de conservação do patrimônio material. Diferentemente da realidade européia, onde existe um riquíssimo acervo conservado, disponível e constantemente utilizado; microfilmados, digitalizados e replicados em diversos suportes de mídia e pela internet.
Reis observou e aprendeu, através da prática cotidiana da pesquisa, essa realidade, ao percorrer arquivos citadinos e estaduais. Aprendendo a paleografia e a tipologia das fontes. Onde e como foram produzidas, quais foram os seus agentes. Sabendo corretamente onde buscar a informação adequada para o seu objetivo. E correlacionar e reconhecer as relações hierárquicas entre elas, sobretudo a respeito da administração portuguesa no Brasil. Possibilitando estruturar eficientemente seus estudos e suas obras. Que deveria ser o mote integrante da formação e da pratica efetiva do historiador.
Mas que mostra, na atualidade, deficiência lacunar que impede o desenvolvimento profundo das letras históricas da região. Notadamente entre os que já possuem currículo na área de pesquisa e nos cursos superiores. Que por sua vez, desprezam, por uma série de motivos, o ensino adequado para o bacharelado. Obrigando opção pelo autodidatismo, ou pelo amadorismo, destituídos de previa preparação e conhecimento. Embora já existam a décadas profissionais empenhados nessa mentalidade de reconhecer tais ideias.
E o Vale do Paraíba é um celeiro para a produção historiográfica, como demonstra as obras de Paulo Pereira dos Reis, principalmente no lacunar período colonial. O que faz incoerente manter-se alheio a este estado de coisas. Ideia complementada pelos exemplos das universidades de grande porte do Brasil, por seus cursos de pós-graduação.
Nelas percebe-se haver salto qualitativo na utilização das fontes de pesquisa e nos temas tratados, mesmo que com ressalvas. Temas diversificados amparados em pesquisas realizadas no Arquivo Nacional, na Biblioteca Nacional e em arquivos estaduais. Como no Arquivo Publico do Estado de São Paulo, que viu o seu número de consulentes duplicarem no decorrer dos últimos vinte anos.
O que seria notório se fosse reconhecido e aplicado no Vale do Paraíba, mediante uma mudança de mentalidade e por projetos de envergadura diretiva e objetiva, cujo escopo seria subsidiar pesquisas, criar arquivos, salvar e conservar documentos, disponibilizar e socializar o patrimônio material e imaterial.
E Reis, novamente, tinha consciência dessas demandas, que em certa medida, esta refletida na introdução da obra Lorena nos Séculos XVII e XVIII: “Na investigação e estudo para o conhecimento dos fatos deste livro, alem de aproveitar os seus [leia-se: meus] conhecimentos de Historia regional, procurei a documentação existente com pertinácia e paixão pela pesquisa. Entretanto, apesar do trabalho persistente, do empenho e dedicação de tantos anos na coleta e organização dos dados e informes diversos, ocorreram, alem de minhas limitações, os naturais percalços das pesquisas realizadas em registros escritos muitas vezes esparsos e incompletos” (REIS, 1980:17).
Portanto, demandas essas a serem evitadas pelas futuras gerações, procurando todos os meios para saná-las. Aproveitando os instrumentos disponíveis (aprendizado e capacitação – presencial/online), para melhor preparar os profissionais da região, formados ou não. Dando-lhes a oportunidade de conhecer as fontes, os arquivos, a paleografia e as novas tendências de pesquisa. Como sempre fizeram, esporadicamente, o autor dessas linhas[15] e Paulo Pereira dos Reis[16].
Desse modo, seria irreversível o retorno para as fontes documentais, como fator primordial para a construção de novos conceitos e ideias acerca das histórias locais. Permitindo, pela releitura, refutar verdades solidificadas e não correspondentes com a representação do passado[17]. Ou que pelo menos se aproxime de um status requerido na atualidade pela ciência histórica; e que não seja nos moldes anteriores, do discurso pelo discurso sem o crivo de uma critica consistente. Isso porque a escrita do passado possui armadilhas ao escamotear ou velar as reais intenções do desenrolar dos fatos. Cabendo metodologias próprias, suportes teóricos adequados e conhecimento de fontes diversas.
Como por exemplo, o cuidado que se deve ter com as falas do viver em colônia. Abundantemente encontradas nos processo judiciais: o depoimento das testemunhas, dos envolvidos e das autoridades. Manancial rico de informações para interpretar e construir o mundo mental dos séculos XVII a XIX. E que Reis teve contato em documentos de outra natureza, entre eles os ofícios dos Governadores da Capitania de São Paulo[18].
Por outro lado, estendendo essa realidade, sobressai outro aspecto emblemático dos problemas existentes. Especificamente no ensino acadêmico, e particularmente nos cursos de historia da região.
A grade curricular não contempla matérias essenciais para a pesquisa histórica, priorizando a formação do professor em detrimento do bacharel. Duas realidades estanques que dissocia a intrínseca ligação entre ambas.
Ter a formação de pesquisador e professor, ao mesmo tempo, significa, entre tantos outros valores, a contínua produção, reprodução e critica do conhecimento. Nos arquivos ou em campo, pode-se construir a historia e na sala de aula pode-se constituir um laboratório de discussão e crítica dessa construção. O professor pesquisador atualiza-se produzindo e, ao mesmo tempo, dialoga com alunos e parceiros sobre as chances de revigoração dos resultados. Não fica reproduzindo discursos ultrapassados. E o ensino deixa de possuir caráter sectário e assume uma postura cientifica e critica diante dos desafios do século XXI.
Estimulando a reversão de outra face do mesmo tema, que está baseada no trinômio articulado universidade/escola/comunidade. Por onde deve circular ciclicamente todo o conhecimento produzido.
Isso se vale principalmente, e que é tão obvio, pela desarticulação notória entre os itens, pois o que se ensina e se produz na universidade fica restrito a um pequeno âmbito de detentores do saber, encerrado numa linguagem culta. E muito menos repassado para os livros didáticos e nem para o professor, afetando indiscutivelmente a formação de indivíduos comuns e os destinos da comunidade em todos os seus setores primordiais. Impedindo, sobretudo, o ressonar dessa realidade em outras esferas profissionais, o qual seja, onde o historiador pode trabalhar: museus, arquivos, organizações sociais de cultura e domínios abrangentes da economia criativa. Fundamentais para a socialização do conhecimento.  
Nesse sentido, chega-se a conclusão de que o conjunto das obras de Paulo Pereira dos Reis e de muitos outros historiadores, que tentaram entender o mundo dos antepassados, pode oferecer interpretações diversas, sugerindo análises sobre tudo o quanto cerca a produção do conhecimento histórico. É preciso pensar, mas importante mesmo é mudar para as próximas gerações, pois à história cabe também realizar transformações.

Referências

Fontes

SARDINHA, Wanderley Gomes. Paulo Pereira dos Reis – breve perfil histórico. Pasta Paulo Pereira dos Reis. Arquivo do Instituto de Estudos Valeparaibanos (IEV). Lorena-SP: Centro Universitário Salesiano, s.d.

Bibliografia

CARDOSO, Ciro Flamarion Santana. Uma Introdução à Historia. 5 ed. São Paulo: Brasiliense, 1986.
EVANGELISTA, Jose Geraldo. Paulo Pereira dos Reis. In: Lorena Cultura, out. 2000. Pasta Paulo Pereira dos Reis. Arquivo do Instituto de Estudos Valeparaibanos (IEV). Lorena-SP: Centro Universitário Salesiano.
HERRMANN, Lucila. Evolução da Estrutura Social de Guaratinguetá num Período de Trezentos Anos. São Paulo: IPE/USP, 1986. (ed. fac-similada).
REIS, Paulo Pereira dos. Algumas Considerações sobre a Imigração no Brasil. Separata da Revista Sociologia. São Paulo, vol. XXIII, nº 1, março de 1961.
_____________________. A miscigenação e a Etnia Brasileira. Revista de Historia, nº 48, São Paulo, 1961.
_____________________. O Caminho Novo da Piedade no Nordeste da Capitania de São Paulo. São Paulo: Conselho Estadual de Cultura, 1971.
_____________________. O Colonialismo Português e a Conjuração Mineira. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1964.
_____________________. Guaipacaré, região e porto do Vale do Paraíba. Revista de Historia, nº 69. São Paulo, 1967.
_____________________. O Indígena do Vale do Paraíba. São Paulo: Governo do Estado de S. Paulo, 1978 (Coleção Paulística, XVI).
_____________________. Lorena nos Séculos XVII e XVIII. São Paulo: Fundação Educacional Objetivo/Fundação Nacional do Tropeirismo, 1980.



[1] SARDINHA, Wanderley Gomes. Paulo Pereira dos Reis – breve perfil histórico. Pasta Paulo Pereira dos Reis. Arquivo do Instituto de Estudos Valeparaibanos (IEV). Lorena-SP: Centro Universitário Salesiano, s.d.
[2] REIS, Paulo Pereira dos. Reminiscências Piquetenses. In: SARDINHA, Wanderley Gomes. Paulo Pereira dos Reis – breve perfil histórico. Pasta Paulo Pereira dos Reis. Arquivo do Instituto de Estudos Valeparaibanos (IEV). Lorena-SP: Centro Universitário Salesiano, s.d.
[3] O presente artigo não dá ênfase aos dois textos inaugurais do autor (1953-1954) por ser extrínseco ao objetivo da analise, qual seja, revelar os seus escritos de cunho histórico.
[4] Entre os escritos, a obra “O Caminho Novo da Piedade no Nordeste da Capitania de São Paulo”, que recebeu elogios da critica especializada, pelo ineditismo da documentação utilizada e que representou importante contribuição a historia das comunicações na região e fez com que pudesse ser estruturada uma agricultura estável. Entre elas a cultura do café em Bananal, região que outrora pertenceu aos quadros administrativos da vila de Lorena.
[5] EVANGELISTA, Jose Geraldo. Paulo Pereira dos Reis. In: Lorena Cultura, out. 2000. Pasta Paulo Pereira dos Reis. Arquivo do Instituto de Estudos Valeparaibanos (IEV). Lorena-SP: Centro Universitário Salesiano.
[6] Ibd., p. 3.
[7] REIS, Paulo Pereira dos. Lorena nos Séculos XVII e XVIII. São Paulo: Fundação Educacional Objetivo/Fundação Nacional do Tropeirismo, 1980.
[8] Palavras do professor Egon Schaden na apresentação da obra: O Caminho Novo da Piedade no Nordeste da Capitania de São Paulo. São Paulo: Conselho Estadual de Cultura, 1971.
[9] A estrutura esquemática apresentada consta do artigo do autor: Caminhos de Penetração da Capitania de São Paulo. Separata dos Anais do Museu Paulista, tomo XXXI, 1982. Instituto de Estudos Valeparaibanos. Pasta Paulo Pereira dos Reis. Centro Universitário Salesiano de Lorena.
[10] BOVO, Luiz Sartorelli. Evocando Fatos e Homens. Pasta Paulo Pereira Pasta Paulo Pereira dos Reis. Arquivo do Instituto de Estudos Valeparaibanos (IEV). Lorena-SP: Centro Universitário Salesiano, s.d.
[11] O Caminho Novo teve sua construção iniciada na primeira metade do século XVIII, contrapondo o Caminho Velho, utilizado desde o final do período quinhentista, ligando Minas Gerais a Paraty, para escoamento do ouro. Todos os caminhos construídos a partir de picadas indígenas.
[12] BOVO, Luiz Sartorelli. Evocando Fatos e Homens. Pasta Paulo Pereira Pasta Paulo Pereira dos Reis. Arquivo do Instituto de Estudos Valeparaibanos (IEV). Lorena-SP: Centro Universitário Salesiano, s.d.
[13] Aqui não se trata de falar dos métodos de pesquisa nos moldes hermenêuticos propostos pela historia positivista de critica interna e externa, que são pressupostos diferentes. Diz respeito ao conhecimento da tipologia das fontes e de suas divisões e subdivisões internas, para reconhecer as informações nelas registradas.
[14] Para citar algumas cidades com algum desenvolvimento nesse item existem arquivos organizados nas cidades de Jacareí, Taubaté, Guaratinguetá, Cruzeiro e Queluz. Embora ainda não tenham alcançado patamares de excelência, restando muito por fazer.
[15] Alguns estudos dirigidos e cursos de curta duração foram ministrados no Centro Universitário Salesiano (UNISAL-Lorena) nos anos de 2011-2012, para os alunos do curso de graduação em Historia, tendo como fulcro algumas noções de paleografia e de fontes primarias, etc.
[16] Paulo Pereira dos Reis publicou nesse sentido o artigo “Pesquisa Histórica no Vale do Paraíba: metodologia, enfoque e fontes”. Boletim do Instituto de Estudos Valeparaibanos, 1986. In: Pasta Paulo Pereira dos Reis. Instituto de Estudos Valeparaibanos (IEV). Lorena: Centro Universitário Salesiano. Fruto da aula ministrada pelo escritor em 09 de agosto de 1986 no Curso de Historia do Vale do Paraíba.
[17] Como exemplo robusto vale citar a obra de Lucila Herrmann “Evolução da Estrutura Social de Guaratinguetá num período de Trezentos anos”. Considerada pioneira e obra-prima dos estudos sócio-históricos no Vale do Paraíba (1948), possui varias incoerências informacionais e redundâncias generativas conclusivas sobre certos aspectos relacionados com a estruturação e partilha das propriedades fundiárias na região. A autora afirma que o sistema de partilha adotado no Brasil correspondia ao mesmo existente em Portugal, qual era o Morgadio. Um estudo seriado nos inventários de varias localidades aponta para outra realidade, que foi a partilha igualitária, sendo 50% da viúva e outros percentuais restantes para os herdeiros descendentes ou nomeados. Diferente do regime do morgadio que contemplava o filho primogênito, principalmente no tocante as propriedades fundiárias e capelas. Vê-se nesse sentido uma lógica para o retorno aos documentos. Sem citar inúmeros outros casos não cabíveis no presente artigo.
[18] Documentos publicados pelo Arquivo Publico do Estado de São Paulo, denominado “Documentos Interessantes para a Historia e Costumes de São Paulo”.

sábado, 21 de maio de 2016

João Barbosa de Camargo – Povoador do Bananal

Vila de Bananal - Aquarela de Thomas Ender - 1821
O povoador João Barbosa de Camargo, como vários outros moradores da região de Pindamonhangaba e Guaratinguetá, foi um dos primeiros a deixar sua casa e moradia para estabelecer-se em terras distantes, nos limites das Capitanias de São Paulo e Rio de Janeiro, ainda no período da extrema carência econômica na segunda metade do século XVIII na região do Médio Vale do Paraíba. Em busca de área propícia em terras e possibilidades de assentamento agrícola. Como um aventureiro e, ao mesmo tempo, um trabalhador ou camponês em busca de fortuna sem planejamento anterior, contando com a sorte na única possibilidade possível de sustentabilidade familiar: a exploração da terra, sem as vicissitudes da busca infrutífera do ouro já em escassez na região das Minas Gerais.
Nasceu na vila de Pindamonhangaba, entre 1725 e 1727, filho de João Antunes Barbosa e de sua mulher Maria da Luz[i].  E casou por 1753-1754 com Maria Ribeiro, n. por 1732, talvez na mesma localidade ou em Guaratinguetá. Estabelecendo-se em data ignorada nesta última vila, onde lhe nasceram vários filhos, até por 1776, quando foi recenseado com domicilio na 2ª Companhia das Ordenanças. Nas proximidades da Capela de Nossa Senhora Aparecida.
Em 1776, foi informado no censo de que possuía um sítio com engenho de cana sem rendimento naquele momento, onde plantava gêneros alimentícios de primeira necessidade, criava gado e suínos, com mais seis escravos[ii]. Anteriormente, aparece desde 1765 morando na mesma localidade, sem nenhuma mudança significativa.



Recenseamento de Guaratinguetá - 1776
Arquivo Público do Estado de São Paulo

Depois desse período não aparece nos censos 1778 e 1779, para a mesma vila. Acredita-se que foi justamente nesse período que esteve colaborando na feitura do Caminho Novo, a exemplo do Alferes André da Silva Tourinho, casado com Maria da Silva Leme, também morador na mesma companhia. Isto talvez justifique sua ausência nos censos, embora alguns autores considerarem ele já residente na região antes de 1780 (RAMOS, 74: 1974).
Naquele pleno terceiro quartel do século XVIII, em razão, portanto, da abertura do Caminho Novo para o Rio de Janeiro, pelo Capitão mor Manuel da Silva Reis, recebeu do mesmo, em repartição das terras, uma sesmaria no Rio Bananal, onde hoje se situa o núcleo urbano de Bananal. Confirmada pelo Capitão General da Capitania de São Paulo, em data de 16/02/1780, pela assistência no empreendimento.
O que se conclui, analisando o comportamento do testador, que tal atitude traz conotação de maior complexidade do que as duas categorias de povoadores explicitadas por Sérgio Buarque de Holanda na obra “Raízes do Brasil”, comparando a colonização portuguesa com a espanhola na América, no século XVI: o trabalhador e o aventureiro.
Como exemplo representante de inúmeros chefes de família que, na segunda metade do século XVIII no Vale do Paraíba, saindo de sua casa, em busca de novas oportunidades, João Barbosa parece incorporar, por aquela altura, anacronicamente talvez, as especificidades de ambas vertentes elaboradas pelo autor. Mesmo ainda considerando que o meio tenha moldado o homem colonial ao longo dos séculos no sentido de fazê-lo perceber que a única possibilidade de sobrevivência seria o sedentarismo e a exploração da terra. O que também é questionável sob a luz da nova historiografia que direciona a lógica da colonização portuguesa para a sedimentação de um projeto muito mais racional e que autores atuais denominaram no Brasil como “O Arcaísmo como Projeto”.
Neste sentido, no âmago das atitudes de homens como o Alferes Nuno da Silva, o Alferes André da Silva Tourinho estava a consciência de que buscar novas oportunidades seria a possibilidade de que o acumulo de extenso cabedal resultaria, por este, também em ascensão social pelo crivo sobre a posse de homens e da terra. O que necessariamente implicaria imbricar, em certo sentido, as duas categorias expostas por Holanda. Embora, de fato, não tenha acontecido com o testador e apenas tão somente com as duas gerações imediatas a ele, já estabelecidas economicamente, ao celebrar uniões com famílias abastadas da localidade. Mas isso não caracteriza pensa-lo das duas formas. 
Em João Barbosa observa-se o espírito do aventureiro, embora não seja aquela de projetos e horizontes vastos, mas no espírito mais literal da palavra, com determinada ambição e passível de “transformar obstáculo em trampolim”, de espaço ilimitado, traduzida em zona de fronteira agrícola aberta a ser explorada, mas, sobretudo em espaço determinado, em dado local propício para iniciar uma grande empresa. O que não seria óbice para a idade dele no período. Contava ao sair de Guaratinguetá 52 anos, pouco mais ou menos, em fase madura, certo do que necessitava. O que denota não poder, em épocas posteriores ao processo de povoamento da região, analisar o homem colonial com a rigidez da categorização pensada por Holanda. As nuances da própria conjuntura de viver em colônia naquele momento traz atitudes maleáveis por parte de alguns homens.
Também traz no bojo as características do trabalhador, aquele que “enxerga primeiro a dificuldade a vencer, não o triunfo a alcançar”. E que sabe tirar o máximo proveito do insignificante, através do lento, contínuo e persistente labor (HOLANDA, 2008:44).
Embora não se possa afirmar, como o historiador o faz, um homem com estreiteza de visão, pois deveria trazer na sua consciência e no seu cotidiano o conhecimento das oportunidades amplas do presente, ainda mais se considerar que a região era local de passagem, por corria informações, mesmo que em ritmo lento. Portanto, sabia sobre a necessidade de estabelecer para alcançar novos patamares. Diferentemente, aliás, do que a historiografia, sob a luz dos parciais documentos produzidos pelas autoridades metropolitanas residentes na Capitania de São Paulo naquele período. Principalmente a respeito da característica marcante da indolência do colonizado, sem comprometimento com a realidade e com a sua própria vida, ao som dos seus dissabores. Refutada, no final da década de 1960, por Alberto Passos Guimarães, ao afirmar que [...] “injustificável seria a ideia de que a pequena propriedade tivesse retardado por tanto tempo a sua irupção, como fato histórico acabado, por causa da ‘indolência’ das populações nativas ou de sua ‘incapacidade’ para o trabalho” (GUIMARÃES, 1968:109). Sabe-se, atualmente, ter sido predominante a pequena propriedade no Sudeste Brasileiro. Como o caso de João Barbosa de Camargo, que se aproxima de um dos possíveis arquétipos do homem valeparaibano que não deixou, porém de vencer os obstáculos e adaptar-se ao meio. Mas não por falta de opção ou de personalidade degenerada, mas antes por carregar características das duas categorias analisadas por Sérgio Buarque.
Além do que, para o período, o incentivo para o assentamento do homem na terra para o desenvolvimento da agricultura foi uma das preocupações do governo português e das autoridades paulistas a partir do Morgado de Mateus, em 1765. Não se pode dizer que fosse as terras de João Barbosa de Camargo um latifúndio. Convivia a pequena propriedade com a grande, esta em menor proporção numérica.
Reaparece, então, em 1783 já residindo no Caminho Novo, em terras do Distrito de Lorena, na 8ª Esquadra, com filhos e mais quatro escravos[i].
 Parte delas, meia légua em quadra, foi doada, em 10/02/1785, por escritura pública, para a ereção da primeira capela do Bananal, na localidade denominada Retiro, em devoção ao Senhor Bom Jesus do Livramento.  Sendo mais tarde transferida mais tarde para a atual localização, em terreno doado pelo genro do mesmo, Alferes André Lopes Correia (RODRIGUES, 54: 1980). Essa meia légua, segundo informação de Agostinho Ramos, sofreu processo de disputa por parte de posseiros com a família, constituindo-se num caso rumoroso na época (RAMOS, 77: 1974). Em 1788, por ocasião da visita do Vigário Manuel José Bitencourt era uma capela formada de madeira de pau a pique, com uma pequena sacristia, com seu patrimônio nas sobrequadras das terras do protetor João Barbosa de Camargo (RAMOS, 62: 1974).

Assinatura de João Barbosa de Camargo - Testamento

O testamento foi aprovado em 06/05/1799 na Capela do Bom Jesus, Caminho para o Rio de Janeiro, sendo testador o Cirurgião Mor José Marques Alves. Foram testemunhas, todos primeiros povoadores da localidade, Joaquim José Bitencourt, João Pais de Mendonça, Manuel de Oliveira Rocha, Manuel Francisco do Desterro e o Reverendo Capelão Manuel Gonçalves Franco. Sendo tabelião João de Souza Coutinho. E aceito em 22/06/1799, e solenemente aberto pelo mesmo capelão, a pedido de Inácio Ribeiro Barbosa, em 02/06/1799 (período do falecimento).
O testamenteiro Inácio Ribeiro Barbosa cumpriu as determinações testamentárias em 1799, sendo reconhecidas em 1802 no juízo de Lorena. E fez a prestação de contas na Provedoria Geral, no ramo de Resíduos da Comarca de São Paulo, em 1805, cuja aprovação fora dada pelo Juiz em Correição (visita) na Vila de Lorena, Joaquim Procópio Picam Salgado, juntamente com a apresentação das custas do processo.  Com custo total, entre pagamentos das disposições e custas, em 506$465 mil reis, assim distribuídos:


Pagamentos e Disposições Cumpridas

Disposição
Tipo de Pagamento
Favorecido
Valor
Data
Primeiro Ano do Capelão na Igreja.
Dinheiro
Pe.  Manuel Gonçalves Franco
400$000

Custas e Salário do Tabelião (Lorena) – Executivo Declaratório e Gastos de Precatória de Taubaté.
Dinheiro
José Antônio da Conceição
1$565
15/09/1799
Vença dos Dízimos (jul.1798/jun.1799).
Dinheiro
José Antônio da Conceição
12$800
15/09/1799
Cera para assistir o enterro do falecido.
Dinheiro
Joaquim Ferreira Pena
11$000
29/06/1799
08 missas de corpo presente.
Esmola
Capela do Bananal
$640
Não declarada
28 missas pela alma do falecido, até o oitavário.
Esmola
Capela do Bananal
$640
18/11/1799
Funeral do falecido (mementos, acompanhamento e recomendação do corpo).
Dinheiro
Pe.  Manuel Gonçalves Franco
5$120
18/11/1799
Todas as missas acima não declaradas
Esmola

15$360
18/11/1799
Mementos cantados
Dinheiro
Caetano Soares da Costa
2$000
21/07/1799
Feitio do Caixão para o funeral
Dinheiro
Manuel Antônio da Costa
$640
Não declarada
Assistência de Curativo na enfermidade do falecido (duas oitavas de ouro)
Dinheiro
José Marques Alves
2$400
08/06/1799
Prêmio deixado pelo cumprimento do testamento
Dinheiro
Inácio Ribeiro Barbosa
50$000
31/08/1805
04 missas pelas almas dos escravos.
Esmola
Capela do Bananal

18/11/1799
02 pelas almas dos Escravos.
Esmola
Capela do Bananal

18/11/1799
02 pelas almas do Purgatório.
Esmola
Capela do Bananal

18/11/1799
01 pela alma dos conhecidos vivos e falecidos.
Esmola
Capela do Bananal

18/11/1799
01 pela alma mais necessitada alma do Purgatório.
Esmola
Capela do Bananal

18/11/1799
01 pela Senhora da Conceição pelo Pontífice existente e mais Ministros.
Esmola
Capela do Bananal

18/11/1799
01 pela Senhora da Conceição pela Soberana e mais Ministros.
Esmola
Capela do Bananal

18/11/1799
Total


502$165


Custas Judiciais de Executória Declaratória
na Provedoria de São Paulo

Tipo
Valor
Salário do Escrivão

    Autuação
$040
    Rasa
$650
    Reconhecimento
$040
    Notificação
$040
    Inteiro
$045
    Deferimento
$085
Sentença
$760
Registro dos Autos
$968
Conta
$080
[ilegível]
$600
Total
4$300

TRANSCRIÇÃO ORIGINAL SIMPLES DO TESTAMENTO

J.M.J.
Em nome da SS.ma Trind.e, P.e, Filho, e Esp.o S.to, três pesoas dest.as ehum Só D.s verdad.ro

Saybão quantos este instrum.to de Testam.to virem, q’. sendo no anno do Nascim.to de NoSso Senhor Jesus Christo, de 1799, aos vinte e seis dias do mez de Abril do d.o anno, nesta parage daCapela do Bananal da Frg.a de Santa Anna das Areyas, do Cam.o Novo Termo da v.a deLorena, e Com.ca de São Paulo, eu João Barbosa de Camargo, fo. Leg.o de João Antunes Barbosa, ede Maria da Luz, natural de Batizado nav.a deNosa Snr.a do Bom SuceSso de Pindamunhangaba do Bisp.o de São Paulo, estando infermo de pé, com perfeyto entendim.to, e juízo q’. D.s medeo, temendome damorte, edaEstreita Conta q’. no Divino tribunal, mehade ser tomada, e querendo por minha alma no verdadr.o Cam.o da m.a Salvaçaõ, faço este meu Testam.to na forma seguinte
Pra.m.te emComendo a m.a alma ao Eterno Pai, q’. a Criou, ea Seo Unigenito Filho q’. o Remio, ea Maria Santissima Senhora NoSsa, aoSanto do meu nome, aoAnjo dam.a guarda, eatodos os Santos, e Santas, Anjos da Corte do Ceu, que queiraõ ser meus intercesores diante de D.s, He por m.a alma naBem Aventurança; Sou catholico Romano, eCreyo emD.s Trino e Uno, eemtudo, eemtudo quanto tem, eenSina a S.ta Me. Igr.a Catholica Romana, enesta Fé, quero viver, emorrer.
Meu Corpo, Será amortalhado emhum Lançol, e Sepultado nesta Capella doS.r Bom Jesus do Bananal, ou Capella, ou frg.a mais vez.a ao meu falecim.to, acompanhado pelo meu Capelaõ, e vig.o, podendo ser este com [...], e dirão Missa pela m.a alma de corpo prez.te, e dirão ambos MiSsas no oitavario, eCaso asnaõ posaõ dizer juntas, seguidas, por algum incoveniente, Eiraõ dizer [...] omeu R.do P.e Capelaõ, dirá mais vinte MiSsas pela m.a alma. Quero mais CoatroMiSsas pelas almas dito das asm.as obrigaçoens. mais duas MiSsas pelas almas demeus Escr.os já falecidos, mais duas MiSsas pelas almas do purgatorio. mais huma miSsa pelas almas de todas as pessoas m.as Conhecidas, emgeral, q.’ já são falecidas. mais hua MiSsa pela alma mais necesitada do purgatorio. mais huma MiSsa a Nosa Senhora da Conceyçaõ por tenção do noSso Pontifice q’. existir, etodos os mais Ministros da Igreja, p.a q’. D.s os conserve emsua graça. mais outra MiSsa á mesma Senhora, por tenção da NoSsa Soberana, e Principe, etodos mais Seus Ministros dejustiça, p.a q’. D.s os conserve em sua graça.
Para meus Testamenteyros, nomeyo em pr.o Lugar ameu filho Ignacio Ribeyro Barboza, em Seg.o Lugar, a meu f.o Joaõ Rib.ro Barboza, em terc.ro Lugar, am.a mulher Maria Ribeyra, elhes peço q’. pelo amor de D.s, este meu Testam.to queyraõ aCeitar, e q’. emtudo fielm.te hajaõ deComprir, e goardar, eos Constituo emtudo meus bastantes procuradores, eos Hey por abonados, e p.a dar ad.a Conta lheconcedo aoque pegar dous annos, p.a a dar no juízo aonde pertencer comR.cos Reconhecidos por Tabeliaõ, pelo seu juram.to, elhedeyxo sincoenta mil Reis de premio, ou avintena [...]
Declaro, q’. devo ao falecido Capitaõ Mor Manoel da S.a Reis, ou a Seos Erdr.os, a Coantia de Cem mil Reis por Credito; eaSim mais a [ilegível] pelo Cap.am Manoel Bernardo Teyxr.a devo, trezentos evinte eseis mil Reis. Devo mais Sem Credito ameu f.o Joaõ Ribeyro Barboza a Coantia de duzentos mil Reis.
Declaro, q’. seeu dever algúa Coantia módica, oalgúa pesoa deverdade, q’. menaõ lembre, meu Test.ro apague Sem Contenda deJustiça, eomesmo observará emtudo omais q’. eu dever; eaSim mais tudo o q’. seme dever por Creditos, epois, Seja Cobradana mesma forma, sem Contenda deJust.a podendo Ser, eo q’. eu dever tudo seja pago dos meus bens. Declaro, q’. depois depago omeu funeral, dispoziçoens, dividas, meu Testament.ro o pr.o nomeado neste, q’. hé meu f.o Ignacio Rib.ro Barboza o instituo, por Erdr.o do Resto da minha terça.
Declaro, q’. sou Cazado com Maria Ribeyra, decujo matrimonio temos os f.os seguintes; a Saber Joaõ Ribr.o Barboza, casado com Ignacia Joaquina Leme, digo Cazado comIgnacia Maria. Josê Ribr.o Barboza cazado com Antonia Joaquina Leme. Anna Ribr.a Barboza, m.er doAlferes Andre Lopes Corr.a. Maria Ribr.a Barboza, viuva q’. ficou do falecido Antonio Pedroso da Cunha. Ignacio Ribr.o Barboza; e Antonio Ribr.o Barboza, ambosestes solteyros, q’. Seachaõ em m.a Companhia [ilegível], emq.to ela for viva, e comesta condição hé q’. lhedeixo todo o Resto dam.a terça.
Dei aqui neste meu citio, da Capela do Bananal, da Estrada Velha p.a aSima coatro centas braças de Terras de testada, e meya Legoa defundo p.a a Serra da Bocayna, cujas já Seachaõ marcadas, empagam.to de outras tantas Terras de Cultura, q’. eu lhe tinha dado em dote, as quaes depois eu as vendi, e [ilegível] do dr.o a este meu genro, levou em Dote mais húa Escrava mulata por nome Ritta, ehum cavalo selado, e infreado, q’. hé o q’. eu lhe promety deDote, p.a cazar com m.a filha Andre Lopes. Minha f.a viuva Maria Ribr.a Levou  huá Escrava por nome Catherina, eoutra por nome Roza ambas piquenas, ede huá destas Escravas R.ce eu ametade do seu valor, q’. medeo o Padrinho dem.a f.a, edeve entrar emDote só ametade do valor desta
Meu f.o Joaõ Ribr.o Barboza, Levou Coatro Escravos, a saber, Joaõ, Joaõ, Joze, e Antponio, todos da Costa, estes os compraros e lhe pertencem aele, por serem enaõ do m.te.
Meu f.o Jozé Ribr.o Barboza, Levou tres Escravos, a Saber, Antonio, Manoel, e Joaõ, q’. eraõ seus Legitimam.te, enaõ do monte.
ePor esta forma, tendo concluído este Meu Testam.to, pelo achar depois demeser Lido, emtudo comforme am.a ultima vontade; etorno apedir aos meus Testamenteyros, q’. pelo amor de D.s, epelas chagas de Jezus Christo, queyraõ neste meu Testam.to pagar aq’. em tudo hajaõ dificilmente goardar, e cumprir, e peço e Rogo, ás Justiças de Sua Magestade lhe dem todo o inteyro vigor, e comprimento, eseneste faltar alguma clauzula, ou clauzula em Dir.to nesç.ra as hey por [ilegível], e declaraçoens, equero q’. valha como Escritura Publica, e por este deRogo outro qualquer Testam.to, ou Codicilo, q’. antes haja feito, epedy [ilegível], ao Cirugiaõ Mor Jozé Marques Alvz’ q’. por mim fizeSse, ecomo Test.a aSinose, eeu meaSiney com o mey sinal deque uso Bananal e frg.a das Areas 26 de Abril de 1799.
Declaro outra vez, q’. as Coatro Centas braças de Terras aqui no Bananal q’., á estão marcadas, eamulataRitta, eocav.o selado, tudo isto foy dada emDote a meu genro o Alf.es Andre Lopes Corr.a, era ut supra.
Joam Barboza de Camargo
Como test.a q’. este fiz, eaSigney aRogo dosobred.o Joaõ Barboza de Camargo Jozê Marques Alvz’.
Como testemunha que [ilegível] aSsignar pelo Testador
O Capellaõ Manuel Gonçalves Franco. 

TRANSCRIÇÃO ATUALIZADA

Jesus Maria José

Em nome da Santíssima Trindade, Padre, Filho, e Espírito Santo, três pessoas distintas e um só Deus verdadeiro.

Saibam quantos este instrumento de Testamento virem, que sendo no ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, de 1799, aos vinte e seis dias do mês de Abril do dito ano, nesta paragem da Capela do Bananal da Freguesia de Santa Ana das Areias, do Caminho Novo Termo da vila de Lorena, e Comarca de São Paulo, eu João Barbosa de Camargo, filho legitimo de João Antunes Barbosa, e de Maria da Luz, natural de Batizado na vila de Nossa Senhora do Bom Sucesso de Pindamonhangaba do Bispado de São Paulo, estando enfermo de pé, com perfeito entendimento, e juízo que Deus me deu, temendo-me da morte, e da Estreita Conta que no Divino tribunal, me a de ser tomada, e querendo por minha alma no verdadeiro Caminho da minha Salvação, faço este meu testamento na forma seguinte:
Primeiramente encomendo a minha alma ao Eterno Pai, que a criou, e a seu Unigênito Filho que o Remio, e a Maria Santíssima Senhora Nossa, ao Santo do meu nome, ao Anjo da minha guarda, e a todos os Santos, e Santas, Anjos da Corte do Céu, que queiram ser meus intercessores diante de Deus, e por minha alma na Bem Aventurança; Sou católico Romano, e creio em Deus Trino e Uno, e em tudo, e em tudo quanto tem, e ensina a Santa Madre Igreja Católica Romana, e nesta Fé, quero viver, e morrer.
Meu Corpo será amortalhado em um lençol, e sepultado nesta Capela do Senhor Bom Jesus do Bananal, ou Capela, ou freguesia a mais vez do meu falecimento, acompanhado pelo meu Capelão, e vigário podendo ser este com [...], e dirão Missa pela minha alma de corpo presente, e dirão ambas as Missas no oitavário, e caso as não possam dizer juntas, seguidas, por algum inconveniente, irão dizer [...] o meu Reverendo Padre Capelão, dirá mais vinte Missas pela minha alma. Quero mais quatro missas pelas almas dito das mesmas obrigações; mais duas missas pelas almas de meus escravos já falecidos, mais duas Missas pelas almas do purgatório. Mais uma missa pelas almas de todas as pessoas mais conhecidas, em geral, que já são falecidas. Mais uma missa pela alma mais necessitada do purgatório. Mais uma missa a Nossa Senhora da Conceição por intenção do nosso Pontífice que existir, e todos os mais Ministros da Igreja, para que Deus os conserve em sua graça. Mais outra missa a mesma Senhora, por intenção da Nossa Soberana, e Príncipe, e todos mais Seus Ministros de justiça, para que Deus os conserve em sua graça.
Para meus testamenteiros, nomeio em primeiro lugar a meu filho Ignácio Ribeiro Barboza, em Segundo lugar, a meu filho João Ribeiro Barboza, em terceiro lugar, a minha mulher Maria Ribeiro, e lhes peço que pelo amor de Deus, este meu Testamento queiram aceitar, e que em tudo fielmente hajam de cumprir, e guardar, e os constituo em tudo meus bastantes procuradores, e os dou por abonados, e para dar a dita conta lhe concedo ao que pegar dois anos, para dar no juízo aonde pertencer com recursos reconhecidos por Tabelião, pelo seu juramento, e lhe deixo cinquenta mil reis de premio, ou a vintena [...]
Declaro que devo ao falecido Capitão Mor Manoel da Silva Reis, ou a seus herdeiros, a quantia de cem mil reis por crédito; e assim mais a [ilegível] pelo Capitão Manoel Bernardo Teixeira devo, trezentos e vinte e seis mil reis. Devo mais sem crédito a meu filho João Ribeiro Barbosa a quantia de duzentos mil reis.
Declaro, que se eu dever alguma quantia módica, ou alguma pessoa de verdade, que me não lembre, meu testamenteiro a pague sem contenda de justiça, e o mesmo observará em tudo o mais que eu dever; e assim mais tudo o que se me dever por créditos, e, pois, seja cobrada na mesma forma, sem Contenda de justiça podendo ser, e o que eu dever tudo seja pago dos meus bens. Declaro, que depois de pago o meu funeral, disposições, dividas, meu testamenteiro o primeiro nomeado neste, que é meu filho Ignácio Ribeiro Barbosa o instituo, por herdeiro do resto da minha terça.
Declaro que sou casado com Maria Ribeira, de cujo matrimonio temos os filhos seguintes; a saber, João Ribeiro Barbosa, casado com Ignacia Joaquina Leme, digo casado com Ignacia Maria. Jose Ribeiro Barbosa, casado com Antonia Joaquina Leme. Anna Ribeira Barbosa, mulher do Alferes Andre Lopes Correia. Maria Ribeira Barbosa, viúva que ficou do falecido Antonio Pedroso da Cunha. Ignácio Ribeiro Barbosa; e Antonio Ribeiro Barbosa, ambos estes solteiros, que se acham em minha companhia [ilegível], enquanto ela for viva, e com esta condição é que lhe deixo todo o resto da minha terça.
Dei aqui neste meu sítio, da Capela do Bananal, da Estrada Velha para acima quatrocentas braças de terras de testada, e meia légua de fundo para a Serra da Bocaína, cujas já se acham marcadas, em pagamento de outras tantas terras de cultura, que eu lhe tinha dado em dote, as quais depois eu as vendi, e [ilegível] do dinheiro a este meu genro, levou em Dote mais uma escrava mulata por nome Rita, e um cavalo selado, e enfreado, que é o que eu lhe prometi de dote, para casar com minha filha Andre Lopes. Minha filha viúva Maria Ribeira levou uma escrava por nome Catarina, e outra por nome Rosa ambas pequenas, e de uma destas escravas recebeu eu a metade do seu valor, que me deu o padrinho de minha filha, e deve entrar em dote só a metade do valor desta.
Meu filho João Ribeiro Barbosa, levou quatro escravos, a saber, João, João, José, e Antônio, todos da Costa, estes os comprou e lhe pertencem a ele, por serem e não do monte.
Meu filho José Ribeiro Barbosa, levou três escravos, a Saber, Antonio, Manoel, e João, que eram seus legitimamente, e não do monte.
E por esta forma, tendo concluído este meu testamento, pelo achar depois de me ser lido, em tudo conforme a minha última vontade; e torno a pedir aos meus testamenteiros, que pelo amor de Deus, e pelas chagas de Jesus Cristo, queiram neste meu testamento pagar aqui em tudo haja dificilmente guardar, e cumprir, e peço e rogo, às Justiças de Sua Majestade lhe deem todo inteiro vigor, e cumprimento, e se neste faltar alguma cláusula, ou cláusula em Direito necessárias as ei por [ilegível], e declarações, e quero valha como Escritura Publica, e por este derrogo outro qualquer testamento, ou Codicilo, que antes haja feito, e pedi [ilegível], ao Cirurgião Mor José Marques Alves que por mim fizesse, e como testemunha a assinasse, e eu me assinei com o meu sinal deque uso. Bananal e freguesia das Areias 26 de Abril de 1799.
Declaro outra vez, que as quatrocentas braças de terras aqui no Bananal que á estão marcadas, e amulata Rita, e o cavalo selado, tudo isto foi dada em dote a meu genro o Alferes Andre Lopes Correia, era ut supra.
João Barbosa de Camargo
Como testemunha que este fiz, e assinei a rogo do sobredito João Barbosa de Camargo.
José Marques Alves.
Como testemunha que [ilegível] assinar pelo Testador
O Capelão Manuel Gonçalves Franco.


Referências

Fontes Documentais
ARQUIVO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Recenseamentos das Ordenanças da Vila de Guaratinguetá. Disponível em: http://arquivodoestado.sp.gov.br,  1775-1783.
Fonte: ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Juízo de Resíduos. Disponível em: http://arquivodoestado.sp.gov.br . Autos de Contas de testamento, 1805.

Bibliografia
GUIMARÃES, Alberto Passos. Quatro Séculos de Latifúndio. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
RAMOS, Agostinho. Pequena História do Bananal. São Paulo: Gráfica Sangirard, 1975.
REIS, Paulo Pereira dos. Lorena nos Séculos XVII e XVIII. São Paulo: Fundação Nacional do Tropeirismo/Centro de Recursos Educacionais, 1988 (Cadernos Culturais do Vale do Paraíba).
RODRIGUES, Píndaro de Carvalho. O Caminho Novo: Povoadores do Bananal. São Paulo: Governo do Estado de São Paulo, 1980. (Coleção Paulística, v. XVIII).


[i] REIS, Paulo Pereira dos. Lorena nos Séculos XVII e XVIII. São Paulo: Fundação Nacional do Tropeirismo/Centro de Recursos Educacionais, 1988 (Cadernos Culturais do Vale do Paraíba). p. 232. 


[i] Os pais casaram possivelmente entre os anos de 1715 e 1725, sendo mencionados em Silva Leme, volume V, p. 207, como pais de Maria Madalena (irmã de João Barbosa de Camargo), casada com Lourenço da Costa de Siqueira. Que por sua vez tiveram Antônio Antunes Cardoso, casado em 1770 em Mogí das Cruzes com Maria Antônia, filha de Antônio da Cunha Gago e de Ana Maria de Godói.
[ii] ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Juízo de Resíduos. Disponível em: http://arquivodoestado.sp.gov.br. Autos de Contas de testamento, 1805. [BR_SP_APESP_JR_CO5488_D004.pdf]. Acessado em 09/06/2013.