segunda-feira, 28 de março de 2011

Sobre Cassiano Ricardo e a Marcha para Oeste

Certa feita foi chamada a atenção de um grupo que participava de um curso determinado de que devemos dar olhos para situações mesmo que possam representar um desprezo imediato de nossa parte. Nelas encontram-se, por vezes, ideias a se transformar em outras, mediante a utilização de mecanismos novos para um público maior. Tal expressividade com alta dose dialética é serventuária principalmente para a área cultural, mesmo sendo um Big Brother da vida. Programa mercadológico a parte, a afirmação parece fundamental enquanto ideia transformada na interpretação ou nova interpretação de velhos conceitos sociológicos e históricos a respeito de compreender melhor a formação do país. Necessariamente se fizermos um exercício de releitura sobre alguns clássicos da historiografia brasileira, buscando indícios paradigmáticos que definitivamente a maioria dos acadêmicos deixou escapar, sobretudo quando se trata de obra considerada arcaica pelo seu método ou pelos conceitos teóricos empregados, principalmente do período da primeira metade do século XX, quando a influência do positivismo era lugar comum para a restituição do passado. Se tentarmos compreender as informações e a estrutura desses trabalhos podemos dele extrair pensamento anteriormente esquecido ou repudiado enquanto revestido de verdades falseadas. Pensando em tal postura, considerando ser ponto pacífico o olhar atento para as minúcias, em consonância com alguns pontos da micro-história, basicamente em seu paradigma indiciário, podemos considerar ou reativar algumas obras esquecidas, que no momento de seu lançamento e posteriormente se constituíram em símbolo de análise crítica da formação social do Brasil, a exemplo das reedições ora permeadas no mercado da safra de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e outros; mesmo da área literária, quando se resgata e reabilita alguns escritores, moradores no limbo por mais de setenta anos, como o caso do “Diário Secreto”, de estilo memorialístico do poeta e escritor Humberto de Campos, a ser lançado este mês (aliás, fundamental para compreensão de homens que viveram na primeira metade do século XX, mas considerado “mexeriqueiro” por Brito Broca). No rastro deste raciocínio inclui-se, entre muitos, o ensaio histórico de cunho sociológico do escritor valeparaibano Cassiano Ricardo, intitulada “Marcha para Oeste”, lançado em 1943, e posteriormente pela Livraria José Olympio Editora, na Coleção Documentos Brasileiros (nº 25). Cassiano Ricardo, nascido em São José dos Campos e membro da Academia Brasileira de Letras, foi um intelectual agressivo em suas ideias, defendendo-as a tal ponto que ficou famosa a sua discordância com Sérgio Buarque de Holanda pelas ideias expressas pelo historiador no ensaio “Raízes do Brasil, e que resultou no estudo sociológico com o título acima referido. Embora seguindo teorias de Gilberto Freyre e de Oliveira Vianna, pioneiros na maneira de interpretar o Brasil em formato generalizado, a obra se constitui num calhamaço de mais de quinhentas páginas, onde Cassiano Ricardo trata do fenômeno bandeiras na formação social do país, trazendo ideias que poderiam ser reinterpretadas ou consideradas para lançar um novo olhar sobre o período quinhentista do Brasil, principalmente no momento atual em que o período colonial está sendo estudado com maior vigor e revisitado em alguns temas cristalizados pela historiografia nacional. Assim, como tanto outros valeparaibanos, Cassiano Ricardo precisa ser lido e preescutado na sua essência mais acadêmica, com relançamento da obra e discussões em torno do tema, cujo fulcro seria, num plano mais intimista e olhar micro cósmico, repensar o Vale do Paraíba integrado historicamente no circuito das bandeiras e, portanto, importante no contexto de entender a formação social do Brasil. Além disso, interessante para reavivar ou esquecer a discussão deflagrada na década de 1980 sobre a questão de uma identidade valeparaibana. A estrutura do trabalho de Cassiano poderia suscitar uma leitura da veracidade de tal empreendimento identitário, se confrontado com novos documentos e obras pontuais existentes sobre o assunto, entre eles, o inédito doutorado do Professor Doutor Carlos Eduardo de Castro Leal (USP-Antropologia, 2004), intitulado “O Baú de Apelidos”, que traz perspectivas interessantes sobre a sociedade do Vale do Paraíba nos séculos XVIII e XIX. Pelo menos da minha parte, quero empreender a difícil tarefa de ler “Marcha para Oeste”, como forma de redescobrir ideias que possam transformar ou indicar novas possibilidades de pesquisa; se possível livre das inferências ideológicas e teoricamente aceitas na atual conjuntura. Que outros possam acompanhar. Mas sem o nacionalismo extremado praticado em muitos períodos do século XX, que ofuscou o entendimento do paulista numa realidade mais ampla.

sexta-feira, 25 de março de 2011

O IPTU do século XIX – A décima Urbana na Vila de Cunha - 1812

A tributação sobre os prédios urbanos e terrenos teve sua implantação jurídica no Brasil com a chegada de Dom João VI, pelo Alvará de 27 de junho de 1808 que criou o imposto da Décima dos Rendimentos dos Prédios Urbanos (Décima Urbana ou Décima), com o objetivo, naquele período, de suprir os cofres da Corte Portuguesa estabelecida no Rio de Janeiro.
Primeiramente foi praticada no município da Corte, nas vilas da beira-mar e no interior do país, sendo administrada por uma Junta ou Superintendência, composta pelos principais membros da população, sendo um nobre e outro do povo, dois carpinteiros, um pedreiro e um fiscal. Atualmente, com regras mais sofisticadas e onerosas, permanece como tipo de cobrança para suprir economicamente o município, sob outra designação, conhecida como IPTU: Imposto Predial e Territorial Urbano.
Na Capitania de São Paulo passou a funcionar a partir de 1809 nas cidades de Santos, São Paulo e Cunha, no formato de cadernos anuais, como uma espécie de processo com as informações do proprietário, propriedade e valor. Sendo as únicas a terem preservado esse tipo de documentação, hoje utilizada por historiadores que trabalham com a formação das cidades no período colonial, e o uso e posse do solo (ver Raquel Glezer).
O documento traz a abertura feita pelo juiz ordinário, a relação das propriedades, elencadas por rua, contendo o nome do proprietário (com numeração, mas sem saber se da propriedade) o tipo do imóvel e sua divisão, o valor anual do rendimento, o valor a ser cobrado e o termo de encerramento. O valor cobrado representava 9% do valor do rendimento e não dez como o nome do tributo sugere.
Na vila de Cunha, por exemplo, foram coletados os dados da décima urbana da vila de Cunha referente ao ano de 1812, preservada no Museu Francisco Veloso.
Naquele ano a décima urbana traz 119 propriedades relacionadas no entorno da capela de Nossa Senhora da Conceição (seis ruas) e no rocio da vila (subúrbio), com as seguintes informações: Juiz Ordinário da vila, Capitão João José de Macedo; fiscal, Sargento-mor Luiz Manuel de Andrade, que fazia a função de advogado; nobre, Ajudante Vitoriano Manuel de Andrade (filho do fiscal); pessoa do povo, Tenente Francisco José Gonçalves; carpinteiros, Alferes Antônio Álvares de Castro, português e caixeira viajante, e João Lopes da Costa; pedreiro, Frederico José Cardoso de Abranches, português, comerciante e alugador de negros.

Ruas da Vila de Cunha em 1812

Rua Direita – 43 propriedades, dos lados direito e esquerdo;
Rua da Quitanda – 14 propriedades, dos lados direito e esquerdo;
Rua das Violas – 4 propriedades, dos lados direito e esquerdo;
Rua da Lapa – 18 propriedades, dos lados direito e esquerdo;
Rua das Flores – 3 propriedades;
Rua da Praça – 3 propriedades – lado único;
Rocio da Vila – 34 propriedades.

A propriedade com maior valor estava na posse do Coronel José dos Santos Souza, um sobrado de três lanços (cômodos) na Rua Direita (talvez a principal da vila) avaliado em vinte mil réis, pagando de imposto 1800 réis.
Na continuação, aparece ainda, entre os imóveis melhor avaliados, as propriedades do Capitão Antônio Álvares de Castro, Tenente Coronel Antônio José de Macedo Sampaio, em R$ 12000, e o Tenente José Álvares de Oliveira, Thomaz da Silva Reis, Dona Thereza Joaquina de Oliveira, Capitão Francisco Xavier Leite e Capitão José Monteiro dos Santos, em R$ 10000 réis.
Entre os proprietários na praça principal, onde estava localizada a matriz de Nossa Senhora da Conceição, aparecem o Alferes Antônio Álvares de Oliveira, Dona Ana Maria Thereza e o Padre João Pereira da Costa.
As propriedades menores e de menor valor encontravam-se no rocio da vila, avaliadas entre 640 e 6000 réis, sendo está última, de propriedade do Alferes Manuel Rodrigues Correia.


Referências: VELOSO, Museu Francisco Veloso. Décima Urbana da Vila de Cunha, 1812.

terça-feira, 22 de março de 2011

Curso de Capacitação para Museus

Na última semana aconteceu, em Brodowski-SP, o I Módulo do Curso de Capacitação para Museus, promovido pela Secretaria de Estado da Cultura, por seu Sistema Estadual de Museus-SISEM, com o apoio da Associação Cultural de Amigos do Museu Casa de Portinari-ACAM.
Trata-se de uma iniciativa singular e propícia para os profissionais que trabalham em instituições museológicas no sentido de aperfeiçoar, complementar e, principalmente, atualizar o conhecimento na área; especificamente nas questões que envolvem o mecanismo das leis de incentivo cultural, formatação de projetos da mesma natureza. A finalidade é sintonizar-se com a atual conjuntura econômica do país, onde o conceito e a prática da economia criativa é parte fundamental na gestão de novas iniciativas, com o objetivo de ampliar a participação e a diversidade cultural da população brasileira.
E, por essas, e outras, em consonância com as necessidades atuais, que o SISEM tem procurado parcerias com instituições políticas e culturais para a realização desse curso, que contou com a participação de profissionais de inúmeras cidades do Estado de São Paulo, como Sorocaba, Guaratinguetá, Tupã, Brodowski, Ilha Solteira, Santa Cruz do Rio Pardo, Ribeirão Preto, Olímpia, Franca, Batatais, Pompéia, Casa Branca, José Bonifácio, entre outras.
Para o atual curso foram selecionados quarenta convidados para participar dos três módulos que compõe todo o curso; sendo o primeiro realizado na Câmara Municipal de Brodowski e na cidade de Sorocaba, e os próximos nas referidas localidades nos meses de abril e maio, a saber: Formatação de Projetos e Leis de Incentivo, Curadoria e Expografia, Produção e Montagem de Exposições.
Uma proposta que no primeiro módulo trouxe para o primeiro módulo os profissionais Roseli Biage e Leonardo Castro, que realizaram palestra e atividades sobre a montagem e formatação de projeto cultural de incentivo fiscal; Fábio Cesnik, advogado especializado em direitos autorais e Lei Rouanet, da firma Cesnik, Quintana&Salinas (representantes de artistas como Daniela Mercury e Chico Buarque de Holanda, e a Escola Primeira de Mangueira, entre outros); Ana Carla Fonseca Reis, especialista que trabalha em projetos de Economia Criativa e Economia da Cultura em diversas instituições pelo país.
Como para melhor certificar os participantes, foram montados grupos para a elaboração de projetos culturais concretos para avaliação por intermédio de tutorias via web e blog.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Velhas Fazendas do Vale do Paraíba

Apesar de acreditar que o tema é pretérito, as velhas fazendas do Vale do Paraíba, originárias do período áureo do café, são integrantes de uma estrutura pontual no contexto histórico regional e, portanto, necessário para o conhecimento amplo de um patrimônio a ser cuidado e entendido pelas gerações atuais e futuras.
Desse modo, o relançamento da obra de Sérgio Buarque de Holanda “Velhas Fazendas do Vale do Paraíba” é uma contribuição impar, principalmente para o uso didático; além do que acessível ao bolso da maioria (R$ 25,00).
Com desenhos de Tom Maia, amigo e estudioso do patrimônio valeparaibano, e apresentação dos historiadores Jean Marcel Carvalho França e Antônio Celso Ferreira, a obra é para os leigos uma iniciação ao mundo imperial, onde a influência européia, principalmente francesa, moldou a maneira de vestir, comer, morar e de comportar do brasileiro até a primeira metade do século XX.
Vale a pena conferir para despertar para outros temas da nossa história.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Livro de Renato Leite Marcondes

Renato Leite Marcondes, professor do curso de economia da USP/Campus de Ribeirão Preto-SP, nascido em Lorena-SP, brinda seus admiradores com mais uma publicação séria e de grande competência.
Neste livro, contribui com ampla evidência empírica sobre esse ponto, resultado de um trabalho de pesquisa da maior importância. Investigando, em todo o País, Listas derivadas da matrícula e classificação dos escravos, determinadas pela Lei do Ventre Livre, de 1871, reuniu dados para uma extraordinária amostra da população escrava naquele período: 112,7 mil cativos, correspondentes a 25,6 mil proprietários; 7,3 % do número total de escravos então existente. A amostra abrange catorze das vintes províncias, destacando-se a cobertura para São Paulo, onde os dados colhidos referem-se a 30 % do total da população escrava. O quadro em emerge desses dados confirma as pesquisas referidas acima. Acima de 70 % dos possuidores de escravos , em todas as províncias, tinham não mais do que quatro cativos.
Fonte:http://www.submarino.com.br/produto/1/21825764/www.submarino.com.br/produto/1/21825764

quinta-feira, 3 de março de 2011

Polêmica na Casa de Rui Barbosa

O Brasil está como sempre com seu revestimento de permanência e disfarce de ruptura. O que faz pensar no caráter pragmático dos acontecimentos “originais” sem nenhum resultado profundo.
Sob o manto de ideologias questionáveis e anacrônicas, o país vem escamoteando e relegando problemas sérios nas áreas da educação e da cultura, preocupando-se com projetos aparentes, destituídos de substância e continuidade, fruto de uma estilizada reedição do populismo da primeira metade do século XX, onde a tutela do Estado concretiza ações pelas quais as soluções não atingem a democracia na sua principal acepção: o governo de um povo que forma a sua consciência na possibilidade de oportunidades igualitárias ao nível de acesso a todos os instrumentais do conhecimento humano; não apenas pelo repertório político arcaico, onde as discussões são inócuas e inteligíveis.
Nesse sentido, coadunamos com as vozes discordantes a respeito da polêmica envolvendo o futuro dos trabalhos e dos projetos culturais da Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro e que culminou, felizmente com a queda daquele que não chegou assumir.
A posição do ex-futuro diretor daquela casa, o sociólogo Emir Sader, é o espelho das afirmações acima expostas e mostra de maneira contundente o quanto a política pela política, sem comprometimento e conhecimento, pode arrasar continuidades quando demonstrada no âmago das instituições colocadas sob o crivo de homens despreparados que procuram tão somente servir de instrumento para demagogias governamentais de interesses múltiplos, fundamentalmente eleitorais a serviço de grupos políticos que visam o poder.
Transformar uma instituição com caráter definido e postura de ação substancial, pautada em longo prazo, é colocar em descrédito o trabalho de um número infinito de profissionais das múltiplas áreas do conhecimento lá alocados. É desconsiderar a seriedade dos trabalhos, sobretudo os qualificantes deles gerados. O que demonstra uma total falta de conhecimento do trabalho da instituição, ou algo de dissimulação para fazer dela um trampolim para apadrinhados relegados ao segundo plano, como prêmio de consolação.
Além de tudo, demonstra a total incompetência para reconhecer o valor da pesquisa cientifica nas sociedades modernas, principalmente nos diversos ramos das ciências humanas, cujo estopo é a formação social e cultural do individuo.
Abrir a casa para discussões e debates pertinentes sobre temas fundamentais para a viabilização de um país melhor é obvio e importante, mas desde que instituídos como elementos participes de um conjunto amplo de variáveis, onde conceitos ideológicos e partidários se mostrem de maneira plural e não apenas como conceito de perpetuação do poder. Não há porque personalizar a instituição, pois antes de tudo possui uma identidade e uma herança histórica que tem contribuindo para entender o espectro social, político e econômico da nação, como poucas instituições têm realizado.
A política de arranjo, descrição e divulgação dos acervos museológico e arquivistico, que conheço em parte, tem contribuído para o desenvolvimento de trabalhos que contam com a com a participação popular.
E, mesmo que a vida intelectual tenha se especializado, como disse o sociólogo, existe nela um sentido de objetivos e olhares multidisciplinares, permeados nos diversos profissionais que ali estudam e pesquisam e, portanto, não incompatível com a inserção de outros paradigmas de trabalho.
Grandes temas nacionais entram como peça complementar do quadro de atividades, mas nunca como um substitutivo. Ademais, o encetamento de temas gerais corre o risco de cair no vazio e mais uma vez encobrir velhas feridas, tratando-as com um público que infelizmente não possui instrumentalização suficiente para enxergar a estrutura e a envergadura de certos temas. Somos ainda um país de formação educacional falha e inconsistente.
A Casa de Rui já é um espaço público por excelência, o que, aliás, inexiste no popularismo lulista, do tipo comunista sem causa. Um espaço de memórias diversificadas e multidisciplinar.
Esperamos que, com a queda, ou possível demissão de Emir Sader, não venha repetir a escolha de pessoas sem conhecimento. Agora é esperar as políticas do Ministério da Cultura (leia-se de Ana de Hollanda), sem as desculpas de incompatibilidades com possíveis políticas.
Está registrado o nosso protesto e a solidariedade aos que, por anos a fio, construíram e constroem o edifício iniciado por Rui Barbosa.